domingo, 21 de fevereiro de 2016

#34 "Ela": O filme dos solitários

Muitas vezes as pessoas solitárias se perguntam se um dia serão capazes de ser como outros membros da sociedade: casar, arrumar um bom emprego, ter filhos, estabilidade. São questões que são uma incógnita no íntimo dos seres que escolheram a companhia da solidão. Deve ser a enésima vez que este blog debate o assunto solidão, mas convém falar dela novamente depois de uma perspectiva muito bonita mostrada no filme Ela  de Spike Jonze. Na trama, em futuro próximo, um escritor recém divorciado começa a se apaixonar por um sistema operacional que tem inteligência artificial e compreende as ações e emoções humanas chamada Samantha. O ator Joaquin Phoenix dá uma aula de atuação em seu personagem chamado Theodore. Mais impressionante se torna a história quando a voz de Samantha é nada mais, nada menos que a voz inconfundível de Scarlett Johansson.



O desdobramento do relacionamento entre Theodore e Samantha leva-nos a pensar as dificuldades que as vezes temos de nos relacionar com alguém. Em alguns anos, depois de verdadeiramente encontrar o amor e ver o mesmo arrancado do seu peito, poderemos recorrer à tecnologia para nos desprendermos da dor e encontrar resultados que jamais poderíamos imaginar. Theodore vê em Samantha a representação ideal da  "mulher" da vida dele, uma mulher que o entende, que o compreende que o ouve e que diz a coisa certa, uma mulher que quer dividir com ele seus sentimentos, mas nada de drama, nada de brigas, simplesmente uma mulher que o busca amar e que o faz querer amá-la também. 



Apesar de encontrar "amor" em Samantha, Theodore não se esquece por um minuto de sua ex-mulher. As lembranças da feliz vida que ele tinha com ela o invadem constantemente a ponto de ele achar que, mesmo tendo um sistema operacional que diz o amar, já sentiu todos os sentimentos afetivos possíveis por alguém e que agora é um ser humano oco e vazio. E por incrível que pareça, é esse sistema operacional que mostra o contrário, ele ainda é capaz de amar uma mulher real, de se relacionar, criar um novo futuro.



Ela é também uma crítica certeira de como o nosso mundo está se transformando num verdadeiro deserto no campo sentimental. Preferimos trocar mensagens via aplicativos do que ter um encontro face à face com alguém. Esse comportamento, logicamente, dificulta a criação de um relacionamento afetivo de verdade, mas infelizmente está se tornando rotina e, pior, muitos vêem isso como normal.



O longa também deixa claro que nem todo solitário quer continuar solitário para o resto da vida. Quando alguém mergulha de cabeça numa relação, faz dela seu porto seguro, tem certeza de que aquilo vai durar pro resto da vida e de repente tudo é arrancado do coração por coisas banais, perde-se a confiança nos outros, perde-se a segurança de amar. Ainda depois, quando recupera-se desse tipo de episódio, a procura por outra pessoa passa a ser mais séria, rigorosa, procura-se alguém com os mesmos gostos e afincos pessoais. 



O fim de Ela deixa uma porta aberta, uma pergunta no ar: estamos ainda em conexão afetiva e pessoal com as pessoas que amamos ou estamos virando reféns de sistemas operacionais que futuramente substituirão um relacionamento de verdade?

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